Segue o relato de nossa recém viagem de Nove Iorque até São Francisco, por terra.
Não, não fizemos esta travessia de 5mil km com o nosso 4x4, mas sim com um sedan 4x2, um interessante Nissan Altima Híbrido alugado na Herz, por 15 dias num total de U$ 1100 com devolução em Las Vegas.
Os EUA são um país extremamente organizado e o comportamento da maioria das pessoas é equivalente, educados para o trânsito como nunca vi, deixando para trás até França, Alemanha e Dinamarca. Que eram minhas referências.
As estradas são de dar inveja a qualquer uma de nosso país. Quanta guerra e petróleo para manter uma infra-estrutura daquelas. Por lá é comum este tipo de viagem e toda estrutura assim demonstra. A cada centena de quilometro, as placas apontam: "Food Exit" e ou "Hotel Exit", seguidas com as logomarcas dos tradicionais fast-food e cadeias de hotel. O transporte dos EUA é individualista, mas isso está mudando por conta do preço dos combustíveis.
Saindo de NY, nos 3 primeiros dias a monotonia foi de dar tédio! Estradas cujas curvas sequer pediam redução na velocidade, vazias e sem qualquer interferência na condução, o que obviamente confiou ao piloto automático 100% da toada.
Como todos andam no "cruise control" as ultrapassagens nas rodovias duplicadas podem levar minutos, pois a diferença da velocidade programada entre os carros muitas vezes é de uma fração de km/h, logo muitas vezes percebi que era seguido por outro carro em meu canto cego.. E os acidentes que acontecem são reflexo desta conduta, pequenos esbarrões, por isso muitos carros já saem por lá com sensor de carro localizado em ponto cego.
A velocidade máxima varia de acordo com o estado, sendo o Colorado o mais razoável deles, 75Mp/h algo como 120km/h. Pegamos muitos estados cujo limite era de 55MP/h, chatos 90km/h. A fiscalização de velocidade é feita por policiais em carros disfarçados, geralmente Doge Charger, na cor branca ou preta. Eles se escondem atrás de placas, pilares de pontes, ou se misturam entre o trânsito. O consenso mostra que andar at 5 milhas por hora a mais é permitido, e assim todos o fazem. Na iminência de um infrator a polícia de posta em sua traseira e de maneira impressionante, o então disfarçado Charger, acende como uma árvore de natal.
Não preciso dizer que sequer tive a oportunidade de aproveitar o potencial elétrico/mecânico de nosso carro, algo na casa dos 200HP. A única informação que pude confirmar ser verdade, é o fato de fazer de 0-100 em exatos 7 segundos, o que explica um pouco da filosofia dos "muscle cars"; o barato por lá é acelerar. Fazer curva, alta velocidade e depois parar, pouco importa, é proibido e a lei está logo na esquina. Como podem imaginar, entramos no esquema e como duas ovelhas comportadas chegamos do outro lado do país. A sensação de estar constantemente sob a mira da autoridade é um tanto desagradável. Claro, não iria andar a 180km/h, mas em alguns trechos, com 130km/h ainda estaríamos muito seguros e muito menos entediados e propensos a cair no sono.
A grande luta ao volante no principio era manter-se acordado. Num Sedan de U$ 30mil, é de se imaginar que o silêncio seja total. E assim foi, apenas o ruído do asfalto. Por alguns momentos me arrependi de ter aceitado o upgrade gratuito para algo tão silencioso, o Focus, que plano original, estaria de bom tamanho e ruído.
Diferente dos tradicionais "gas guzslers" o Altima fez excelentes 18km/l de média total durante toda a viagem. Provido do mesmo sistema híbrido do Toyota Camry, uma joint venture entre Nissan e Toyota, encontrei inúmeros logos Toyota debaixo do capô do motor.
Outro aspecto também separa este Nissan dos muscle cars, em 7 segundos ele atinge os 100KM/h sem que o motor mude de regime. A rotação do motor estaciona na faixa de maior eficiência e alí fica até os 100km/h serem atingidos e o acelerados relaxado. Com o torque do motor de 80hp elétrico somado ao motor de combustão, um estranho 2.5 quatro cilindros, até os 40km/h o controle de tração alerta através de uma luz no painel que a força, entregue somente, no eixo dianteiro está sendo limitada...
Passada a monotonia inicial, esperamos a chegada dos desertos de Utah, Colorado e Nevada, para então começar a optar por estradas de menor porte, onde poderíamos voltar a confiar a velocidade ao nosso taco e não à monotonia do piloto automático. Ainda assim as estradas secundárias se mostravam um tanto "comportadas" e chatas. Decidi então subir o Pikes Peak, famoso morro de 4mil metros de altitude no meio do Colorado, cenário das mais famosas corridas de subida de morro do planeta. (procurem no Youtube).
Precisávamos urgentemente de alguma aventura. A subida eu sabia que o Altima tiraria de letra, agora o que me interessava era saber seu comportamento na descida! Eu havia ouvido relatos que se tratava da pior descida contínua dos EUA e também o fato dos carros híbridos terem extrema dificuldade em tais situações, em razão da maneira que a função "B" de brake do câmbio usa o motor de combustão para reduzir a velocidade, ineficaz... Queria também ver o ponteiro de carga da bateria chegar em plena carga, coisa que não acontece no uso comum, de modo a preservar a bateria por maior tempo.
A subida do Pikes Peak é tão acentuada que ao descer a temperatura dos freios é controlada carro a carro por um policial munido de um termómetro infra vermelho.
Ao chegar na entrada passei por uma peque aula de como proceder na decida, "seu carro é um Híbrido, use a função B ao descer e vá devagar" alertou o simpático guarda dono de um fantástico bigode estilo morsa do mar.
Chegamos ao topo sem maiores problemas, assistimos uma leve nevasca, fizemos algumas fotos e com muito frio começamos a descer o "peak". Diferente do que esperava foi sem qualquer emoção, o Nissan tirou de letra, chegamos ao primeiro posto de controle com os freios em saudáveis 180˚F, 82˚C.. O mesmo não foi verdade para o Kia a nossa frente e o Ford Explorer atrás de nós, este último que fez questão de acelerar após cada curva para então queimar toda energia nos freios na próxima. Ambos terminaram por ficar obrigatoriamente na área de espera por 30 minutos até que seus freios voltassem a temperatura normal, uma vez que com 300˚ F (± 150˚C) poderiam chegar no fim do percurso sem segurança.
Por sorte as estradas secundárias do Colorado nos presentearam com sinuosas curvas, alertas de desabamentos de pedras, cidades semi-abandonadas e congratulações sobre a nossa economia, esta aferida em função do mais popular revolver da região, ser um super barato Taurus Made in Brasil. Quem diria! Ouvir isso em plena terra do Smith & Wesson, Magnum, Colt, etc...
Passamos pelos magníficos desertos de Utah e a parte norte do belo parque Moab.
Bom, agora estávamos finalmente embrenhados em meio ao interior de Utah e um tanto fora do alinhamento final, considerando nosso destino São Francisco CA...
Decidimos abrir mão das vias expressas e encarar a diretíssima, a "Route 50", a mais solitária de todos os EUA, atravessando os mais impressionantes desertos dos EUA, 1600km de estrada simples com pouca ou nenhuma vida ou trânsito, talvez abastecida por raros postos de gasolina.
Nada seria problema para o tanque de 76 litros de nosso carro, que entregava sem problemas 1200-1300km de autonomia. Nada seria também um problema para nós, escaldados ex proprietários de um Defender 90 onde sempre explorávamos até a última gota de seus poucos 60 litros de Diesel e 600km de autonomia. Hoje com o 110 e tanque extra, com total de 127 litros é tudo suáve.
Assim entramos na Route 50, com o tanque pela metade para garantir um fator extra de diversão. Como suspeitava, não demorou para chegar o primeiro posto e lá estávamos com gasolina suficiente para chegar até Reno, o fim da aventura pela rota mais deserta dos EUA, mas sem antes passar pelos vilarejos de Eureka a minúscula Austin. Os carros que cruzávamos eram em sua maioria "aventureiros" como nós. Muitos VW Syncro (que 4x4 legal), e inúmeras Harleys e raras BWM GS...
Em Reno visitamos o conhecido museu de carros antigos, sem muita graça pois contempla em sua maioria carros americanos, que antigamente eram todos iguais. Colocamos a vida em dia e prosseguimos para o parque Yosemite, que diferente do que se imagina, pronuncia-se Iosemiti; outrora, assim como todo o país, terra de índio.
O Yosemite é fantástico, imortalizado nas fotografias do Ansel Adams.. Infelizmente a estrutura é tão abundante que todos seus cartões postais são cortados por ruas e estradas asfaltadas, ônibus vai-vem, estacionamentos e lojas com tudo que um "aventureiro" pode vir a necessitar, até mesmo impressões analógicas de grande formato do Ansel Adams, na galeria que leva seu nome, dentro do parque. O desafio fotográfico foi entregar belas fotos sem que tudo isso estragasse a imagem.
Yosemite conquistado, finalmente chegamos em SF. Partindo de NY, foram 5mil Km sem qualquer e absoluto imprevisto. Nem sequer um hotel lotado ou estrada fechada pegamos. Pneu furado? Claro que não! Falta de combustível? Tsc!
Em SF estacionamos o carro e resolvemos zanzar a cidade de bike. Foram uns 60km, com direito a cruzar a Golden Gate no pedal e pedalar por toda sua avenida principal, com transito pior que a Av Paulista. Fomos respeitados de tal modo, que parecia estarmos vestindo uma bolha de 10 metros de diâmetro. Na conversão, os motoristas param, apenas para garantir que você não quer ir em frente.
Porém a viagem ainda não tinha acabado, tínhamos ainda que comparecer ao evento Overland Expo, o grande encontro nacional de "expedicionários", evento que aconteceria em Flagstaff Arizona.
Como previsto, em 12 horas e 1300km, estávamos lá, sem sequer ter sentido os km passarem, equivalente cansaço de ir de SP a Campinas. Os lerdos se postam a direita e nosso carro autonomamente, no piloto automático conquistava os quilômetros. Alguns leves ajustes no volante, ainda que pouco foram necessários, as estradas são retas mas nem tanto.
Passamos o dia seguinte na Overland Expo e então o jovem casal de "aventureiros" se separou, a Milena ficou acampada para curtir o resto do evento e eu fuji para Las Vegas, onde começava um congresso do escritório (é sério, eu juro!).
Outros 400km e eu estava estava em Vegas. Breve passada no Hoover Dam, uma mini Itaipú, que hoje sofre da falta de água e consegue fornecer apenas 3% da energia de Vegas. O resto da energia, que alimenta todos aqueles hotéis onde os quartos cheios ou vazios ficam com as luzes incandescentes acesas o tempo todo, é suprida por usinas a carvão e óleo. Nem falar do AC, em uma cidade onde no verão a temperatura bate os 50˚C... Põe guerra para manter este padrão de consumo de petróleo.
Resultado:
Uma viagem legal, mas sem muita emoção.
Em momento algum nos arrependemos, mas a América Latina é infinitamente mais divertida, nem falar da África, que ainda não conhecemos, mas sempre nos falam muito bem.
Ir para Bolívia vía San Pedro de Atacama, pelo caminho 4x4-only atravessando as Lagunas Coloradas, ou a Carretera Austral e Ruta 40 ainda sem asfalto é algo inesquecível.
O desafio é o tempero da aventura. A verdadeira solidão, sem qualquer estrutura, é o alimento do aventureiro; máquina e homem colocados à prova. Encontrar uma dificuldade, é o que fixa a experiência na memória e nascem as histórias.
Ir para um país onde o povo se comporta como ovelhas e onde algumas cidades tem o excesso, de um policial para 6 habitantes e consequentemente a maior população carcerária do planeta, não existe muito espaço para se sentir livre. Claro, SF e NY são grandes exceções, talvez em razão de sua população, em sua grande maioria estrangeira.
Teve momentos que tinhamos surtos de risada ao ver os preparativos de alguns grupos para ir a América Latina. O exagero é onipresente, desde os veículos de "expedição" que sequer passariam na maioria dos túneis do interior do Brasil e quanto mais nos pequenos túneis dos Andes, até mesmo as pick-ups do fazendeiro comum, onde a Dodge RAM 4x4 é pequena perto das Ford F350, isso quando não resolvem elevar a suspensão e fazer um body lift no que já era monstruoso. Nem falar dos motores para empurrar o solitário motorista; Diesel V8 7.4 ou Gasolina V8 e V10 6.7 litros. Espero que com o aumento dos combustíveis, eles pensem melhor sobre o consumo de seus veículos. Isso se os EUA não invadirem a tempo a grade reserva de petróleo do mundo, o Irã, basta ver como a imprensa, em sua maioria agencias americanas, malha sua política com apoio do Israel e com ajuda de todo resto da mídia internacional.
Moral da história:
Os EUA são um país de extravagante natureza, mas o excesso de organização e onipresença da lei faz com que não tenhamos aquela genuína graça e liberdade de viajar explorando. Os caminhos "perigosos" só podem ser feitos com uma autorização, onde você deve assinar que é responsável pelos seus atos.
Existe a quantidade perfeita de organização e lei. Nos EUA isso nos aborreceu. Talvez toda esta percepção seja pelo fato de ser tudo novidade, nunca havia pisado no interior... Dos países que conheci até hoje o que mais me agradou neste sentido foi a Itália... Bom mix de loucura e lei.
tenho que dizer, nada substitui a aventura de viajar pelas terras de cá... Qualquer um que foi a Bahia de carro, é um verdadeiro aventureiro!
Seguem as fotos desta viagem:
Road trip NY -> SF 2012
Abraços
Clemente Gauer