No dia 10/10 fui até a oficina em São Paulo para pegar o Niva. Ele tinha ficado lá desde o dia 19/09. O Wilson deu uma bela geral no carro, trocando o que estava ruim e ajustando o que fosse preciso. Além disso, deu uma geral na parte interna, consertando os cintos de segurança e fazendo (literalmente) travas para os bancos traseiros. Além disso, mexeu um pouco na parte elétrica do carro (fazendo os esguichos e os limpadores funcionarem). Freios regulados, assim como a embreagem, mangueiras trocadas, fluídos substituídos e radiador com água limpa, o Niva estava pronto. Ele mesmo me avisou que ainda faltavam algumas coisinhas na parte elétrica, mas que o carro estava em condições de viajar para São João da Boa Vista.
Depois de almoçar com alguns amigos, era hora de voltar para casa da minha mãe, na zona norte da cidade. Trajeto escolhido (óbvio): ligação norte-sul (Rubem Berta, 23 de Maio, Tiradentes). Descartei a marginal, porque ainda não conhecia o carro. Somente tinha dado uma volta no quarteirão. O motor respondia bem, os freios cumpriam seu dever. A direção era extremamente pesada, combinação de caixa de direção original e pneus maiores que a medida padrão (175/80 R16). Faróis, setas e lâmpadas indicadoras funcionavam perfeitamente.
E lá fui eu. Pegando a 23 de Maio, me lembrei da característica típica das sextas-feiras paulistanas: o trânsito infernal. E lá fui eu, na base do "para e anda". Uma hora depois, mal tinha andado 10km e ainda estava na 23 de Maio. A temperatura do motor, que estava subindo, já quase batia no final da escala do marcador.
Pouco antes do Viaduto Pedroso (depois do Viaduto da Beneficência Portuguesa), num dos momentos de "anda e para", o carro morre. E não pega mais. Eu estava na pista da esquerda, tentando fugir do tráfego para a zona leste. Tentei dar a partida uma, duas, várias vezes. Nada do carro pegar.
Menos de um minuto depois, aparece um "marronzinho" (funcionário da CET) de moto. - Vamos jogar o carro no canteiro, vamos jogar o carro no canteiro! - indica ele. Rapidamente, com ajuda de uns vendedores ambulantes do local, o carro é empurrado para cima do canteiro central da 23 de Maio. - Agora você aciona o seguro. - me indica mais uma vez o "marronzinho". - Eu não tenho seguro, por favor peça para uma picape da CET vir me ajudar! - pedi. Se ele me ouviu, não mostrou qualquer indicação. E lá se foi, provavelmente com a sensação de "dever cumprido", me deixando no meio do canteiro com o carro sem funcionar.
Um dos ambulantes chega perto de mim e avisa (quase como uma ameaça): - Melhor você sair logo daqui, pois depois de anoitecer fica muito perigoso!
O meu "smartphone" é um verdadeiro devorador de carga de bateria. Eu estava com menos de 5% da carga, suficiente para uns três telefonemas, no máximo. Liguei para uns amigos, pedido socorro e que mandasse um guincho, pois não sabia se somente uma carga de bateria seria suficiente para fazer o Niva andar (eu já tinha tentado faze-lo pegar no tranco, sem resultados). Na sequência, o celular morre, da mesma forma que o carro. Eu estava incomunicável.
Fiquei pensando o quê fazer. Tentei pedir ajuda para os outros motoristas, pois o trânsito continuava pesado. Recebi palavras solidárias e só. No máximo, uma chamada para a CET. Tentei parar um guincho de seguradora. Mas fui ignorado, apesar da minha insistência. Entrei no carro para esperar, imaginado que alguém ainda poderia vir me ajudar.
De repente, uma pessoa começa a bater na janela do carro. Era um rapaz, de uns 17 anos, no mínimo. Ele tinha uma expressão ameaçadora e falava: - Tio, passa o que você "tiver" para cá!
Disse que não tinha nada, apenas um carro com defeito, como ele mesmo podia ver. -"Vamo", Tio! Passa o que você tiver!
Sai do Niva, gritando que nada tinha. O rapaz se afastou. Foi então que percebi que estava cercado por outras "crianças". Eram umas dez, no mínimo.
Se eu desse algum dinheiro para eles, provavelmente a turba toda cairia sobre mim, levando carteira, mala de viagem (tinha chegado aquele dia a São Paulo, de ônibus) e o que mais conseguissem carregar. Fiquei do lado de fora, encarando uns e outros. Não sei se por medo ou pena, eles se mantiveram a distância. Na 23 de Maio, vi chegando uma viatura da Rota.
Corri para a beirada da pista, gesticulando e gritando por socorro. O grupo dispersou e sumiu da minha vista. A viatura parou.
Pedi ajuda para os policiais, explicando a minha situação. O soldado me disse que eles estavam indo atender a uma diligência e que não poderiam ficar ali. Pedi que chamassem outra viatura, pois eu estava na iminência de ser assaltado. Ouvi uma desculpa e o soldado disse que não poderia fazer nada. A viatura saiu cantando pneus. Pelo menos, o grupo se dispersara. Eu estava sozinho.
A tarde já tinha virado noite, mas o trânsito continuava pesado no sentido da zona norte. - Vou pegar minhas coisas e largar o carro! - pensei. Mas teria de atravessar a 23 de Maio para chegar a calçada (naquela região, a avenida é murada, dificultando qualquer acesso à pé) e subir um acesso para a Rua Vergueiro. O local não era nada convidativo e eu ainda correria o risco de ser assaltado. Além disso, o carro seria completamente perdido (depredado pelos "locais"). Era uma situação do tipo "se correr o bicho pega; se ficar, o bicho come".
Do nada, aparece um Voyage antigo, que sobe no canteiro e para do meu lado. Não reconheci no momento o amigo mecânico, que eu telefonara mais de uma hora antes. Confesso que demorou uns instantes até "cair a ficha": tinha alguém para me ajudar!
Ele perguntou o que tinha acontecido. Rapidamente, pegou uma bateria reserva no porta-malas do Voyage e colocou no Niva. O carro pegou, finalmente!
-Vamos embora! Rápido! - disse ele. Entre parar e trocar a bateria, não tinham se passado mais do que dois minutos. Com o carro funcionado, voltei a pista da 23 de Maio. Mesmo com a temperatura subindo novamente, consegui chegar a casa da minha mãe. Eram quase 21:00hs.
No dia seguinte, passei na oficina para agradecer (e pagar) "meu salvador". Ele disse: - Eu lhe salvei de uma boa. Você não reparou que havia um monte de gente na sombra de uma árvore a uns 10 metros do carro? Eles estavam se preparando para te pegar! - Provavelmente era o grupo que mais à tarde havia me cercado.
Naquele mesmo dia, troquei a bateria do Niva por uma de primeira linha (a bateria velha era daquelas marcas "genéricas"). Retornei para São João da Boa Vista no domingo. O carro mantinha a temperatura de 90ºC, se eu não acelerasse muito (mantendo 100 km/h). Não tive maiores percalços na viagem.
Qualquer carro é passível de ter um problema mecânico, principalmente numa situação de trânsito pesado. Mas a postura dos serviços públicos (CET e Polícia Militar) foi de absoluta indiferença. Ou seja, como cidadão pagador de impostos, fui totalmente desassistido quando da minha necessidade. E foi somente a boa vontade de um amigo que me tirou daquela situação crítica.
Foi com um Niva, carro usado, e antigo. Mas poderia ter sido com qualquer outro veículo (durante o tempo que fiquei parado, vi vários guinchos transportando carro bem mais novos que o russinho).
Triste é a nossa sina: pagar por serviços que não nos atende. Fico imaginando se eu tivesse tido um problema de saúde enquanto dirigia. Provavelmente, teria facilitado a vida daquelas "crianças" (seria mais fácil me assaltar) e viraria mais um número numa estatística qualquer.
Foi uma experiência terrível, que não desejo a ninguém, mas que infelizmente estamos todos sujeitos a passar.
[]s.