Vamo lá...
Primeiro as "considerações iniciais", como você apropriadamente diz.
1) Dimensionamento
Vou usar aqui exatamente os mesmos conceitos que se usam em instalações elétricas prediais, sejam residenciais, comerciais ou industriais. Não tem muita mágica não, instalação elétrica é sempre instalação elétrica.
São quatro componentes básicos de uma instalação elétrica embarcada: alternador, bateria(s), cargas e cabeamento/manobra.
Pra podermos dimensionar isso, temos de partir das cargas, atuais e futuras, prevendo uma certa sobrevida ao trabalho. Uma bela tabela com equipamentos e potências (ou correntes consumidas por eles) é fundamental. Equipamentos de uso esporádico (guinchos e compressores, por exemplo) têm de estar de fora disso, senão não há cabo ou alternador que comporte sua instalação.
O total das cargas agora deve ser demandada, ou seja, temos que aplicar um fator sobre essa soma, coerente com a real utilização dos equipamentos, afinal não usamos tudo de uma vez. Esse fator vai depender do uso da viatura e do tipo das cargas instaladas (faróis de milha são usados mais raramente, mas geladeiras são usadas por todo o tempo), e só o dono dela vai poder orientar o projetista sobre qual fator utilizar. Pode-se fazer isso de modo subjetivo ou criar uma metodologia pra isso.
Agora, com as cargas demandadas, partimos para o alternador. Ele deve ser capaz de suprir com folga o total das cargas demandadas. Porque com folga? Para que também possa recarregar a(s) bateria(s).
Agora, a(s) bateria(s). Bom, primeiro, vamos definir pra que serve uma bateria. Ela tem de, pela ordem: alimentar o motor de arranque do carro por tempo suficiente para que se dê partida no veículo (carros que têm dificuldade de arranque em clima frio têm de ter baterias mais parrudas); suprir a alimentação de cargas básicas (iluminação de posição – lanternas e pisca-alerta - rádio comunicador, telefone) em situações de emergência por um tempo decente E AUXILIAR o alternador em situações de emergência (uso de guincho ou compressor). Bom, quanto tempo é um tempo decente? Para viaturas que vão se meter em encalacradas como expedições, eu diria coisa de 8 horas. Então pra manter 4 lanternas (40 W) e 4 luzes de posição (84 W) por 8 horas precisamos de uma bateria de pelo menos 90 A.
E o guincho? Bom, pro guincho, bateria é igual dinheiro. Quanto mais melhor! Qualquer Ah que se conseguir a mais são mais uns minutinhos de uso do guincho, justamente o que falta pros 5 centímetros de enrosco que faltam pra sair... Aí o sujeito $decide$ se vai usar uma ou mais baterias.
2) Distribuição dos chicotes
Bom, agora que já temos as cargas, dimensionamos o alternador e a(s) bateria(s), chega a hora dos cabos e componentes de manobra.
Primeiro, alguma coisa sobre a bitola dos cabos: um cabo deve ser dimensionado em função da corrente que passa por ele. A corrente máxima suportada varia em função, principalmente, da temperatura. Existem outros fatores, mas como em um carro os circuitos são muito curtos e em corrente contínua, esses fatores podem ser desprezados. Vou adotar como temperatura de operação 100ºC. É um valor muito alto mas, como estamos fazendo a instalação de 1 só carro, e não de uma série, o aumento no custo total não vai fazer muita diferença. Pra dimensionar as bitolas dos cabos, de uma maneira que facilite a compra dos materiais (ninguém vai querer ficar comprando 3 metros de 60 cabos diferentes, né?), podemos dividir os circuitos em grupos, em função da corrente máxima, algo do tipo: desprezível (circuitos de comando), até 5 A, de 5 a 10 A, de 10 a 15 A, de 15 a 25 A. Para facilitar a conectorização, vamos adotar que o menor cabo utilizado será de 0,75 mm² (cabos finos são mais chatos de conectar). Uma boa distribuição seria então 0,75 mm² para os circuitos de comando, 1,00 mm² para os até 5 A, 1,5 mm² para os de 5 a 10 A, 2,5 mm² para os de 10 a 15 A e 4 mm² para os de 15 a 25 A. Circuitos acima de 25 A devem ser dimensionados na unha.
Agora, mãos à obra. Pegue uma folha de papel, de preferência grande, e faça um desenho em planta do carro. Desenhe todos os equipamentos do carro e saia fazendo as ligações, de modo a consumir menos cabo e com os chicotes de maneira mais organizada possível. Tem um anexo com um diagrama elétrico de Niva, pra servir de exemplo. Claro que para isso o cara tem de saber como são acionados todos os equipamentos do carro, mas aí são outros 500...
Desse desenho devem sair todos os cabos, conectores e chicotes, e por onde eles passam. É importante também fazer as coisas de modo a facilitar futuras expansões ou alterações (a gente nunca tá satisfeito...)
3) A prova d’água?
Bão, aí temos de separar o que realmente tem de ser a prova d’água, o que deve ser protegido, e o que não requer proteção. No primeiro grupo, tem muito pouca coisa. E estas geralmente são instaladas dentro do habitáculo (som, rádios, equipamentos de navegação, instrumentos, alguns módulos de controle, etc...). No segundo grupo, temos relés, faróis, etc. No último, temos alternador, bateria, motor de arranque, guincho, etc.
Sobrou pra proteger o segundo grupo, já que se entrar água no habitáculo a ponto de atingir o que está lá dentro, é porque a vaca foi pro brejo mesmo, literalmente... Se houver espaço físico para instalação de todos os comandos dentro do habitáculo, a coisa está resolvida. Eu prefiro instalar tudo no cofre do motor, em área alta, por questão de acesso para manutenção (ficar se contorcendo embaixo de banco pra achar o relé é um saco...). E aí é uma boa a utilização de caixas estanque, com prensa cabos, as caixas com IP55 e os conectores prensa cabos com IP66 (IP é um índice que indica a proteção contra líquidos e sólidos, o primeiro dígito para sólidos e o segundo para líquidos. 5 indica proteção contra poeira e areia sem depósito prejudicial nos sólidos e indica proteção contra jato de água em qualquer direção – mangueira de bombeiro, por exemplo – para os líquidos. 6 é proteção total contra poeira para sólidos e proteção contra projeção de água – vagalhões – para líquidos, normas IEC144 e IEC529). Estou terminando começando a instalação do meu carro e assim que tiver com a caixa montada posto fotos. Para as saídas dos faróis eu também uso conectores prensa cabos na saída dos faróis, pra evitar o efeito aquário .
4) Facilidade de reparos
Você percebeu que até aqui tudo foi pensado para facilitar alterações e manutenções. O uso de mangueiras com folga ao invés de enrolar os chicotes com fita isolante (eca) ou braçadeiras, usar conectores em tudo, o que facilita desligar ou substituir algo com defeito, PROIBIR O USO DE FITA ISOLANTE, usar barramentos para distribuição de circuitos, etc, ajudam em muito na hora do enrosco no meio do nada. E não adianta falar que “eu fiz muito bem feito, é impossível falhar”. Isso não existe. Se está funcionando, vai pifar. Pode demorar mais, mas vai pifar. E nessa hora é bom ter tudo claro e bem distribuído, de modo a facilitar a correção do defeito.
5) Peças de balcão
Isso é fundamental. Não adianta nada você usar um relé especialmente desenvolvido para uma função e nunca mais encontrá-lo. Ou usar o sistema de ignição da Ferrari sei lá qual. Quando pifar, vai ter que colocar o do fusca no lugar. Mas isso não quer dizer que você não possa “importar” materiais utilizados em instalações elétricas prediais, desde que sejam encontrados com facilidade.
Sobre as dúvidas agora:
1) Conectores
Tipo: cara, tem um sem número de conectores diferentes, com mais ou menos terminais, para cabos mais ou menos grossos, feios, bonitos, etc. Só a AMP tem na linha automotiva mais de 5 mil itens em catálogo. Utilize os conectores que conseguir, mas sempre do tipo alojamento/terminal. Os terminais são avulsos, você climpa o cabo ao terminal e depois coloca no alojamento.
Onde usar: em tudo, absolutamente tudo. É muito mais fácil soltar um conector do que desfazer uma emenda.
2) Terminais
Todos os terminais em uma instalação desse tipo devem ser prensados. A solda tem três desvantagens: é rígida, e numa instalação desse tipo não se pode ter acoplamentos rígidos; uma conexão soldada tem maior resistência entre o cabo e o terminal do que uma conexão prensada; refazer uma conexão soldada requer um ferro de solda e uma tomada, já uma conexão prensada precisa de dois alicates, um pra decapar o cabo e outro pra climpar o terminal.
3) Chicotes
O ideal é usar tubos para distribuição dos chicotes. Isso facilita a instalação, e se os tubos tiverem uma boa folga (25%), permite a implementação de novos equipamentos com facilidade. E pra fixar, utilize braçadeiras plásticas. Eu uso braçadeiras em “U”, que permitem soltar os tubos sem uso de ferramentas.
4) Isolador de baterias
Depende de onde forem instaladas as baterias. O ideal é que ele esteja a meio caminho das baterias, ou seja, os cabos dele para cada uma das baterias tenham mais ou menos o mesmo comprimento.
5) Dimensionamento dos condutores
Já falamos sobre isso lá em cima. Mas faltou uma coisa importantíssima: a proteção. Fusíveis e disjuntores são para proteção dos CABOS e não das CARGAS. Uma boa causa de incêndio é o sujeito aumentar o tamanho do fusível que cisma em queimar... Para o dimensionamento do fusível um método prático, partindo do pressuposto de que o cabo está corretamente dimensionado, é escolher o fusível comercial imediatamente acima do valor da carga, mais 20%. Por exemplo, a carga é de 9 A e o cabo é de 1,0 mm². Somados 20%, vai para 10,8 A. O fusível comercial disponível é de 15 A. Este é o fusível. Opa! Mas tínhamos definido lá em cima que só usaríamos cabos de 1,0 mm² para correntes de até 10 A. Só que o fusível vai ter de ser de 15 A, então vamos ter de subir a bitola do cabo para 1,5 mm². Pegou?
Por hoje é só.